quinta-feira, 23 de julho de 2009

Arte ressussitada

Meu pai era um grande artista plástico. Por isso, desde pequena, convivi com tintas, pincéis, telas... João Martins nasceu em Coimbra, mas acabou em terras brasileiras, onde deixou boa parte de seu talento.

Ele fez trabalhos para pessoas importantes como Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek, Baby Pignatari e a princesa Ira de Fürstenberg, além de Eduardo Tapajós, que foi proprietário do Hotel Glória, no Rio de Janeiro, onde o mestre deixou vários painéis de azulejos, pintados à mão, na Sala Rugendas (mais tarde, num outro post falarei sobre essas obras que retratam a época colonial brasileira e sobre o glamour desse prédio - que está fechado até 2011 para reformas). Espero, sinceramente, que Eike Batista, o empresário que arrematou o edifício, preserve essas relíquias de meu saudoso pai.

Mestre João Martins ou "João Ninguém" (in memorian 1928-2008)

Um dos painéis da Sala Rugendas, no Hotel Glória, pintado a mão pelo mestre João Martins

Esse é apenas um resumo da vida do mestre, que, acredite, em momentos de revolta diante da "inversão de valores no mundo", como ele mesmo dizia, resolveu, um dia, assinar algumas obras com o criativo - e melancólico - nome de "João Ninguém". Por essas e outras, aprendi desde cedo a olhar com sensibilidade para os artistas e, consequentemente, para a arte. E, por outro lado, com desprezo aos depredadores das mesmas, pessoas que só conseguem ver o mundo a partir do "próprio umbigo".

Um dos últimos quadros de São Francisco de Assis pintado por mestre João Martins, em 2008, na época ainda inacabado

Por isso, fiquei feliz quando soube da história que envolve duas obras do artista plástico argentino-brasileiro Carybé, os murais “Alegria e Festa das Américas” e “A Descoberta do Oeste”, que foram pintados nas paredes de um dos aeroportos mais movimentados do mundo, o John Fitzgerald Kennedy (JFK).

A preservação das obras só foi possível graças a descoberta acidental de uma turista brasileira, uma pessoa que, com certeza, olha o mundo com sensibilidade, que em 2007 identificou os murais e numa conversa com um carregador de malas descobriu que o terminal seria demolido e o destino das obras era desconhecido.

O assunto chegou ao conhecimento da Construtora Norberto Odebrecht, que entrou em contato com a American Airlines, com o Condado de Miami-Dade e o Departamento de Aviação do Condado de Miami-Dade, propondo a recuperação e remoção das obras para o Aeroporto Internacional de Miami, que estava em pleno processo de expansão.

E assim foi feito. Eu sei bem que para fazer um trabalho importante como esse é necessário, antes de tudo, delicadeza, além, claro, de conhecimento. As dimensões dos painéis, cada um com 15,5 metros de largura por 5,5 metros de altura e pesando uma tonelada, aliadas ao fato de terem sido pintados diretamente no local, transformaram sua remoção em um grande desafio.

Mas graças a uma equipe formada por arquitetos, consultores de arte e restauradores, cada mural foi dividido em seis peças, portanto doze pedaços. Primeiro, elas foram encaminhadas para um galpão no Bronx, em Nova York , onde foi feita a restauração, conduzida por Timothy Burica e Steve Tatti e equipe - os painéis estavam danificados, principalmente por infiltrações e por uma tentativa anterior de arrancar as telas do suporte de cimento.

O trabalho foi único no mundo, considerando-se o porte das obras e o fato de não serem afrescos, mas sim telas. As peças, que foram transportadas por quase 2 mil quilômetros, receberam estruturas de aço para garantir a eficácia de fixação na nova instalação. Com isso, o peso de cada painel dobrou de uma para duas toneladas. Mas foi a etapa de instalação, segundo os especialistas, o momento mais delicado. Mas valeu o esforço. Afinal, após dois meses de trabalho, o Terminal Sul do Aeroporto Internacional de Miami tornou-se a nova casa dos murais, para a alegria dos turistas (sensíveis, é claro).

Os paínéis são belíssimos. "Alegria e Festa das Américas" retrata as festas populares do continente, Basta olhar com atenção para descobrir o índio guerreiro, desfilando em uma cerimônia; o aimara, executando a dança do diabo; o seminole, usando jóias de turquesa; o inca, com seu traje trabalhado a ouro; o cowboy; o músico de jazz....



Já "Descoberta do Oeste" retrata a jornada dos pioneiros rumo ao oeste com cavalos cavalgando pelas savanas. Acompanhados por cães ladrando e carroças, criam movimento e ritmo que se transforma em dança....


Hector Julio Paride Bernabó nasceu em Lanús, na Argentina, em 7 de fevereiro de 1911. Era filho de pai italiano e mãe brasileira. Ganhou o apelido de Carybé, nome de um peixe de água doce, quando era escoteiro no Rio de Janeiro. Foi pintor, desenhista, ilustrador, gravador, pesquisador, escultor e muralista.

Confira algumas obras de Mestre João no meu Orkut

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