CARTA ESCRITA À ASSESSORIA DE IMPRENSA DO HOTEL GLÓRIA
Meu pai, o artista plástico João Martins, sempre disse: "Minha filha, dinheiro não significa cultura".
Ontem, diante da triste notícia que recebi, tive certeza disso. A assessoria do milionário Eike Batista, que comprou o Hotel Glória, no Rio, admitiu (após uma nota que saiu na coluna Victor Hugo, do jornal A GAZETA, no dia 25/01/2011, informando que a família Martins estava atrás de notícias das obras) que, realmente, os seis painéis de azulejos pintados à mão pelo meu pai, em 1960, a pedido do senhor Eduardo Tapajós, não "puderam ser mantidos no Hotel Glória". Por e-mail, a assessoria alega que "por estarem chumbados em paredes de concreto não puderam ser removidos". Portanto, a obra de arte foi, simplesmente, destruída.
Guardo, até hoje, o cartão-postal que meu pai escreveu para minha mãe, quando estava colocando os painéis no Hotel Glória. Ainda novo, recém-chegado de Portugal, dizia: "Estou sendo tratado como rei, não se preocupe".
No começo de 2008, estive pela última vez no Hotel Glória, visitando o Salão Rugendas, e todos os painéis estavam lá, preservados. Impecáveis. Como mostram as fotos. Os painéis pintados à mão - e queimados no forno - pelo meu pai na cerâmica da qual era dono em São Paulo, entre as décadas de 1960 e 1980 - conhecida como Atelier Artístico Martins, no Morumbi - ficaram no Hotel Glória por mais de 50 anos.
Minha alma dói diante de tanta falta de sensibilidade (até porque, desde o começo das negociações para a venda do imóvel, entrei em contato várias vezes com as assessorias, não só do Hotel Glória, mas também do barco Pink Fleet, que pertence ao milionário. Inclusive escrevi um e-mail para o próprio Eike Batista.
Caso tivessem me dado retorno, certamente o destino dos painéis seria outro. Custo a acreditar que as obras não pudessem ser removidas (tenho certeza de que se meu pai estivesse vivo, certamente saberia como retirá-las das colunas, até porque era um mestre nessa e em outras artes).
Ontem (31/01/2011), saiu mais uma nota na coluna Victor Hugo informando sobre a destruição dos painéis. Fico aqui a imaginar uma marreta quebrando tudo, sem piedade.
Trajetória
Seria difícil, em poucas linhas, contar a história de meu pai, um português que veio de Coimbra, para o Brasil, em 1954, e que já nasceu com o dom das artes. O que posso dizer é que durante as décadas de 1960 e 1980 ele fez vários trabalhos, principalmente em São Paulo, para a sociedade paulistana, incluindo Juscelino kubitschek, Ulisses Guimarães, Olavo Setúbal, o playboy Baby Pignatari - que na época era casado com a princesa Ira de Furstenberg -, e muitos outros. Também trabalhou um tempo com Burle Marx, além de ter trabalhos em outros lugares do Brasil. Também foi diretor artístico da cerâmica Ornato, em Vitória, e da cerâmica Eliane, em Criciúma, onde deixou centenas de trabalhos.
Meu pai não era, com certeza, um empresário, tanto que tudo que ganhou perdeu. Tinha alma de artista. Ele gostava mesmo era de se trancar e fazer arte (cerâmica, pintura em telas, esculturas, entre outras). No final da vida, era só o que fazia. Mas, já desiludido com a desvalorização da arte, deixou uma carta, onde comunicava aos filhos que todas as obras feitas por ele nos últimos anos não deveriam ser vendidas ou doadas, mas permanecer com os cinco herdeiros.
Por isso, hoje, meu pequeno apartamento parece uma galeria de arte (nem tenho onde colocar tantas obras). Mas, pelo menos, elas estão aqui, preservadas. Na verdade, tem uma frase que certa vez meu pai me disse que resume bem sua alma de artista:
"Minha querida quando vendo uma obra, é como se estivesse vendendo um filho". Alguém assim, vamos concordar, jamais saberia mensurar em cifrões o seu trabalho. Era apenas pura inspiração. Arte pela arte.
Os painéis do Hotel Glória eram apenas uma parte do acervo de mestre João Martins - que, por ironia do destino, tem muitas obras assinadas como João Ninguém (em mais um momento de pura inspiração). E eu estou em busca de todas elas. Peço, gentilmente, que as pessoas que tiverem obras dele, por favor, entrem em contato comigo. Quero apenas as fotos para documentá-las. E caso não as queiram mais, gostaria de ficar com elas. O que não quero é que tenham o mesmo destino dado aos painéis do Hotel Glória. E talvez, num futuro, colocar à disposição numa fundação.
Quero agradecer imensamente a jornalista Claudia Feliz, que descobriu toda essa história através de uma mensagem minha no Facebook. Ela identificou a importância de publicar uma nota, sem a qual eu jamais saberia o trágico destino dado aos painéis do Hotel Gloria.
Meu pai, o artista plástico João Martins, sempre disse: "Minha filha, dinheiro não significa cultura".
Ontem, diante da triste notícia que recebi, tive certeza disso. A assessoria do milionário Eike Batista, que comprou o Hotel Glória, no Rio, admitiu (após uma nota que saiu na coluna Victor Hugo, do jornal A GAZETA, no dia 25/01/2011, informando que a família Martins estava atrás de notícias das obras) que, realmente, os seis painéis de azulejos pintados à mão pelo meu pai, em 1960, a pedido do senhor Eduardo Tapajós, não "puderam ser mantidos no Hotel Glória". Por e-mail, a assessoria alega que "por estarem chumbados em paredes de concreto não puderam ser removidos". Portanto, a obra de arte foi, simplesmente, destruída.
Guardo, até hoje, o cartão-postal que meu pai escreveu para minha mãe, quando estava colocando os painéis no Hotel Glória. Ainda novo, recém-chegado de Portugal, dizia: "Estou sendo tratado como rei, não se preocupe".
No começo de 2008, estive pela última vez no Hotel Glória, visitando o Salão Rugendas, e todos os painéis estavam lá, preservados. Impecáveis. Como mostram as fotos. Os painéis pintados à mão - e queimados no forno - pelo meu pai na cerâmica da qual era dono em São Paulo, entre as décadas de 1960 e 1980 - conhecida como Atelier Artístico Martins, no Morumbi - ficaram no Hotel Glória por mais de 50 anos.
Minha alma dói diante de tanta falta de sensibilidade (até porque, desde o começo das negociações para a venda do imóvel, entrei em contato várias vezes com as assessorias, não só do Hotel Glória, mas também do barco Pink Fleet, que pertence ao milionário. Inclusive escrevi um e-mail para o próprio Eike Batista.
Caso tivessem me dado retorno, certamente o destino dos painéis seria outro. Custo a acreditar que as obras não pudessem ser removidas (tenho certeza de que se meu pai estivesse vivo, certamente saberia como retirá-las das colunas, até porque era um mestre nessa e em outras artes).
Ontem (31/01/2011), saiu mais uma nota na coluna Victor Hugo informando sobre a destruição dos painéis. Fico aqui a imaginar uma marreta quebrando tudo, sem piedade.
Trajetória
Seria difícil, em poucas linhas, contar a história de meu pai, um português que veio de Coimbra, para o Brasil, em 1954, e que já nasceu com o dom das artes. O que posso dizer é que durante as décadas de 1960 e 1980 ele fez vários trabalhos, principalmente em São Paulo, para a sociedade paulistana, incluindo Juscelino kubitschek, Ulisses Guimarães, Olavo Setúbal, o playboy Baby Pignatari - que na época era casado com a princesa Ira de Furstenberg -, e muitos outros. Também trabalhou um tempo com Burle Marx, além de ter trabalhos em outros lugares do Brasil. Também foi diretor artístico da cerâmica Ornato, em Vitória, e da cerâmica Eliane, em Criciúma, onde deixou centenas de trabalhos.
Meu pai não era, com certeza, um empresário, tanto que tudo que ganhou perdeu. Tinha alma de artista. Ele gostava mesmo era de se trancar e fazer arte (cerâmica, pintura em telas, esculturas, entre outras). No final da vida, era só o que fazia. Mas, já desiludido com a desvalorização da arte, deixou uma carta, onde comunicava aos filhos que todas as obras feitas por ele nos últimos anos não deveriam ser vendidas ou doadas, mas permanecer com os cinco herdeiros.
Por isso, hoje, meu pequeno apartamento parece uma galeria de arte (nem tenho onde colocar tantas obras). Mas, pelo menos, elas estão aqui, preservadas. Na verdade, tem uma frase que certa vez meu pai me disse que resume bem sua alma de artista:
"Minha querida quando vendo uma obra, é como se estivesse vendendo um filho". Alguém assim, vamos concordar, jamais saberia mensurar em cifrões o seu trabalho. Era apenas pura inspiração. Arte pela arte.
Os painéis do Hotel Glória eram apenas uma parte do acervo de mestre João Martins - que, por ironia do destino, tem muitas obras assinadas como João Ninguém (em mais um momento de pura inspiração). E eu estou em busca de todas elas. Peço, gentilmente, que as pessoas que tiverem obras dele, por favor, entrem em contato comigo. Quero apenas as fotos para documentá-las. E caso não as queiram mais, gostaria de ficar com elas. O que não quero é que tenham o mesmo destino dado aos painéis do Hotel Glória. E talvez, num futuro, colocar à disposição numa fundação.
Quero agradecer imensamente a jornalista Claudia Feliz, que descobriu toda essa história através de uma mensagem minha no Facebook. Ela identificou a importância de publicar uma nota, sem a qual eu jamais saberia o trágico destino dado aos painéis do Hotel Gloria.
Atenciosamente
Rachel Martins
@RachelMartins (twitter)
facebook.com/rachelmartins.vix
Obra de arte e ainda por cima com grande valor sentimental.
ResponderExcluirSimplesmente revoltante! Por aí a gente vê que nem todo dinheiro do mundo faz as pessoas deixarem de ser ignorantes!!! Imagino a sua decepção com a falta de tato e respeito pela arte, ainda mais se tratanto não só da história do próprio hotel, como do Brasil e da arte do seu pai! Um abraço e boa sorte na busca.
ResponderExcluirto aqui pasma de saber que coisas lindas como essas foram destruidas.
ResponderExcluirEsse cidadão com tanto dinheiro, se quisesse preservar, teria chamado alguem com competencia pra tirar.
É realmente um crime... E imagino a sua dor.
Lamentável mesmo, Rachel. Mais um exemplo de que frequentemente nossos "empreendedores" e nossos "governantes", às vezes muito reverenciados pela mídia - até hoje não "entendi" o porquê - valorizam muito pouco nossa cultura, nossas raízes. Em Santa Teresa, por exemplo, uma das primeiras cidades do Brasil a receber colonizadores italianos, as casas antigas são destruídas para dar lugar a prédios comerciais de estética questionável (verdadeiros caixotes), porém resultantes de projetos aprovados pela municipalidade sem levar em conta a herança cultural dos antepassados, a mobilidade urbana, a qualidade de vida dos cidadãos e a manutenção da paisagem. O fruto disso são cidades poluídas visualmente, com fios e postes cortando as avenidas sem nenhum capricho, letreinos publicitários enormes anunciando estabelecimentos comerciais de fachadas feias, trânsito caótico, luminosidade excessiva, prejudicando o sono e obstruindo a visão do céu. Enfim, a total falta de planejamento urbano. Paris não foi bombardeada, felizmente! Porém, o que dizer de nossas cidades brasileiras?
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirGente, concordo com todos vocês. É um absurdo destruir obras de arte - sejam elas de famosos ou não. Assim como livros. No mínimo, a gente pode doar a quem tem sensibilidade. Essa camoanha não é paenas por causa das obras de meu pai, mas por todos os artistas que podem, num futuro próximo, ver sua arte jogada no lixo, simplesmente. E o que estão fazendo com Santa Teresa, e outras cidades do Brasil, é lamentável. Nosso país é bombardeado pela ignorância, que, com certeza, é a pior de todas. Agradeço a solidariedade de todos vocês e peço que passem adiante esse link para que isso não ocorra novamente. Valeu, estou emocionada com as mesagens deixadas aqui, no twitter, no facebook.....
ResponderExcluirSejamos realistas, quem é Eike Batista?
ResponderExcluirUm ganancioso e oportunista picareta, que aproveitou informações privilegiadas que seu pai possuía (o sr. Eliezer foi Ministro de Minas e Energia e chefe do DNPM durante a ditadura militar) e requereu lavras de diversos minerais.
Oportunista que é aproveitou-se da informação privilegiada para requerer e ganhar as lavras, porém sequer as explorou, negociante picareta, passou pra frente com ganho. Suas empresas, na verdade bancas de negociatas, compram e vendem ativos, fazem negócios escusos, e aproveitam-se de informação privilegiada.
Eike não é um gênio, é um picareta de marca maior, oportunista e obviamente, como mostra este post, insensível para a arte como convém ao vilão clássico.
Meu sinceros pêsames.
ResponderExcluirTipo, 'pedra preta' quis dizer algum mármore, porcelanato, granito, que não tem nenhum valor sentimental para ninguém, nem referência =/ é apenas uma PEDRA!
ResponderExcluirJá me hospedei no Hotel Glória diversas vezes entre 2003 e 2007, e apenas pelo simples motivo de respirar história dentro dele. Porque, convenhamos, há muitos hotéis no Rio com mais atrativos que o Glória, cuja localização, inclusive, nem é privilegiada. Eu tinha certeza que o Sr. Eike Batista ia fazer besteira ao comprar o hotel. Aí está. Parabéns pra ele, que vai conseguir acabar com o charme histórico do Glória.
ResponderExcluirTambém já fiquei algumas vezes hospedada lá. E sempre que ia pedia para abrirem o Salão Rugendas. Gostava daquele ambiente colonial. Pelo que sei, o Teatro Glória, que ficava lá, também foi totalmente destruído. Além da suíte onde Einstein teria se hospedado. Imagine, o restante.... É uma pena! Mas agradeço mais uma vez a solidariedade de todos que compreendem que arte, seja ela qual for, onde estiver, se de um artista famoso ou não, deve ser sempre preservada. No mínimo doada para quem quer preservá-las. Abraços
ResponderExcluirrachel, realmente lamentável o que aconteceu. (fiquei sabendo pela Lu Colodete). de fato, isso só mostra que dinheiro não compra sensibilidade. fiquei me perguntando: por que vc não organiza uma exposição com os trabalhos do seu pai? fiquei bastante curiosa para conhecer.
ResponderExcluirum beijo e boa sorte!
daniela zanetti
Tenho acompanhado com indignação esse descaso, essa afronta, esse crime cometido pelo aventureiro com aval do governo. Um absurdo. Hoje passei por lá e tirei umas fotos, parece um cemitério vertical. Reparei que azulejos semelhantes existem no prédio também bem abandonado da Beneficência Portuguesa, ali mesmo na Glória. São de seu pai também?
ResponderExcluirEsperavam o que de um IGNORANTE CANALHA E CRIMINOSO que sequer consegue ensejar o plural nas sentenças mais básicas. Ícone da cafonice oriunda de um nível cultural nulo colocou, como decoração na sua mansão no RIO, uma LAMBORGHINI no meio da sala! Eu espero sinceramente que essa criatura MORRA!
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